sábado, 21 de novembro de 2009

Sem título IV

Deitou-me na cama como se eu fosse única. Não foi delicado, nem doce. Mas eu me senti ali, inteira, a mulher que eu deveria ser. A mulher que eu queria ser naquele instante.

Meus braços tatearam os lençóis como o afogado que busca a superfície. A pequenez das quatro paredes transbordava em mim feito uma tarde calorenta de dezembro praiano. Eu suava.

Cega, fui descobrindo pedaços de corpos a minha volta, eram pelos, pés, coxas, dedos, mãos, paus, bucetas, pescoços, seios. Senti-me ilhada. Deixei-me.

O toque daquela língua na minha pele, multiplicada em tantas, às vezes macias, às vezes ásperas, sempre vorazes. O mundo parecia acabar entre minhas pernas, na minha boca. E como eu queria!

Eu sabia quem me levara até lá, mas não sabia a quem ele me entregara. Pensando assim, era uma insanidade. Mas o fio da meada escapou em um suspiro seco quando aquele pau entrou em mim. Entreguei-me.

Aquela cama era uma mesa preparada para um banquete e fui servida como o prato principal. Eu nem sei quantos eram, homens, mulheres, tantos, em um tipo de ritual.

Não retiraram a venda, nem fiz questão de tirar. Deixei-me ser manipulada pelas suas vontades e, inconscientemente, fui tornando-as minhas. A nascente do meu desejo eram suas ordens.

Mãos e toques de diversas texturas e tensões sobre o meu corpo; paus e seios de vários tamanhos e gostos na minha boca; tantas formas de me possuir...

Eu fui sendo dele, dela, deles, delas e de todos como nunca fui de ninguém, como nem sequer pertenci a mim. E o universo reverberava dentro de mim em um novo big bang!

Devem ter se passado horas - poderiam ser dias! Era saliva, suor, sangue, gozo, a vida que envolvia meu corpo agora solitário naquelas quatro paredes. Talvez elas nem existam.

C.C.J.

sábado, 14 de novembro de 2009

Sem título III

Foi só um pesadelo! Que agonia aquilo vermelho nas minhas mãos, nossa! Esse maldito calor, culpa dele! Fazia tempo que eu não tinha um pesadelo, haha, coisa de criança. Como era aquele mesmo? Era uma queda, não era? Algo assim. Que seja.

Agora não vou conseguir dormir de novo. Que inferno! Puta que o pariu, era só o que faltava! Por que justo hoje esqueci de colocar a merda da garrafa de água na geladeira? Porra, tinha que ser hoje?! Quer saber, é melhor dar uma volta, pegar um ar. Puta que pariu!

Engraçado como a gente tem medo da rua. Essa hora que é bom, tudo vazio, tão silencioso, o céu parece pintura de outros tempos. Talvez aqui olhando pra lua eu veja Capella, quem sabe mais à direita esteja Marte e aqui atrás Hadar, vamos ver... Quanta bobagem a nossa cabeça consegue guardar!

É só andar mais um pouco que o sono volta. A vizinhança é tão melhor assim. Na hora de apresentar a casa aos interessados eu acho que só vou marcar horário de madrugada, haha! Não tem trânsito, outros compromissos para apressar nem qualquer outro tipo de problema.

Que barulho foi esse? Eu ouvi... Acho que... Hmmf, essa queimação na boca do estômago... Estranho, as pernas tão bambas... Que merda é essa, porra?!?! Caralho, tá doendo! Porra, não tô aguentando essa dor na barriga. Isso... Isso... Isso é sangue! Porra, que porra é essa?

Socorro! Alguém! Sangue, puta que o pariu, tem sangue pra caralho. Socorro! Porra, alguém... Que que foi isso, cacete, tá doendo! Ah!!! Socorro! Ah!!! Esse chão tá me queimando, puta merda... Minhas mãos, não consigo mexer os braços, nada. Caralho! Ah!!!

Quem é você? Me ajuda aqui, porra, liga pro hospital! Tá rindo? Que porra é essa, tá rindo, filho da puta? Isso é uma arma... Filho da puta, atirou em mim, filho da puta?!?! Tá maluco, porra?!?! Por que, porra? Por que atirou em mim, seu merda?

Parou de rir, é? Chama alguém, chama alguém! Ah!!! Eu não vou te denunciar, nem vi tua cara. Vai, liga pra alguém, qualquer um. Vai, filho da puta! Ah!!! Porra, não foge, desgraçado, para de correr, seu merda, liga pra ambulância...

Não acredito! Nem vi esse merda chegar... Porra, não acredito que vou morrer aqui... Caralho, eu não queria sentir dor! Porra, um tiro... Puta que pariu! Ah!!! Socorro! Alguém... Daqui a pouco amanhece...

C.C.J.

sábado, 7 de novembro de 2009

Cenas

A uma atriz

Poderia ser uma tarde de setembro ou uma manhã de março. Talvez à beira da Lagoa ou na calçada em Madureira. Eu a acompanho com meus olhos assustados e meus passos desajustados.

Não, ela não me percebe, mesmo que eu não faça esforço em me esconder. Não que ela me esnobe. São caminhos diferentes, são destinos distantes. São duas vidas sem acasos em comum.

Chamam-na atriz, mas prefiro mulher. Vestiu o corpo negro com diversos nomes e pintou a boca com as mais variadas verdades deste tempo e de outrora. Amou, perdeu, ganhou, foi traída e segue.

Eu queria um lugar em sua próxima história, mesmo de figurante. Mas não sei interpretar. Pensei em seguir em frente, mas o filme só faz sentido com ela no papel principal.

Fruta saborosa, desenha-se como a mulher ideal dos meus sonhos de artista. Rabisquei dois ou três versos para tentar me aproximar. O mar, sincero, apagou antes de você passar.

Não se preocupe, caso venha a tropeçar nesta mensagem engarrafada atirada ao léu. Não estarei à espreita na próxima cena, nem escreverei a história de nós dois.

Se me derramo no sublime dos seus olhos é porque seu sorriso caymmiano passeia nas ondas coloridas destas estações indefinidas a qual a cidade sempre arruma um jeito de se acostumar.

Eu nunca sei se é verão ou inverno até a barra do seu vestido balançar simples como o vermelho alaranjado da sinfonia atlântica. Estou a seus pés, não estou no chão.

C.C.J.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Paixão de Ler

Na próxima quinta-feira, 05, terá início a 17ª edição do evento ‘Paixão de Ler’ com o tema Literatura. Vários nomes da literatura brasileira, entre eles o poeta Ferreira Gullar, darão palestras e participarão de debates e leituras com o objetivo de diminuir a distância entre livros e pessoas.

Abaixo reproduzo as informações gerais do projeto, além de dar o link da programação completa.


PAIXÃO DE LER CHEGA À 17ª EDIÇÃO COM MAIS DE 100 ATRAÇÕES

Uma onda literária tomará conta da cidade do Rio de Janeiro nos próximos dias. E nesse mar de histórias, prosas e versos, há lugar para a arte e o saber de Marina Colassanti, Antônio Cícero, Adriana Falcão, Antônio Torres, Ferreira Gullar, Alcione Araújo, Bia Bedran, José Mauro Brant, Paulo Bi, Zé Zuca e muitos outros que integram a programação do Paixão de Ler - uma iniciativa da Coordenação de Livro e Leitura, da Secretaria Municipal de Cultura.

O Paixão de Ler terá sua cerimônia de abertura no dia 5 de novembro às 17h30 na Fundação Biblioteca Nacional (palácio Eliseu Visconti), com palestra de José Castello e Bartolomeu Campos de Queirós. Em sua 17ª edição a campanha tem o tema Paixão de Ler Literatura - escolhido para que a prática da leitura literária seja o foco das ações. "Queremos mobilizar toda a cidade para o movimento por um Rio Literário" conta Lêda Fonseca, Coordenadora do Livro e Leitura da Prefeitura do Rio.

Para isso, a programação deste ano contempla a diversidade - não só pela vastidão de atrações que são mais de 100, mas também pelos espaços onde estes eventos serão realizados - como a Academia Brasileira de Letras, Biblioteca Nacional, Bibliotecas Populares, Quinta da Boavista e quadra da GRES Império Serrano.


Mais de 100 atrações em torno da Paixão de Ler "Nossa programação reúne atrações para crianças e adultos, artísticas e de formação. Na quadra do Império Serrano, por exemplo, faremos apresentações de espetáculos com Contadores de Histórias para crianças. Já na Biblioteca Popular Municipal Machado de Assis, em Botafogo, acontecerão debates sobre temas como "Por que ler poesia" e "Ficções do Rio". E na sede da Prefeitura (na Cidade Nova) teremos atividades como troca-troca de livros, pílulas poéticas e uma intervenção líterogestual com Jiddu Saldanha" explica Leda Fonseca, que destaca ainda a homenagem ao Acadêmico Antonio Olinto no dia 9 de novembro às 17h30 na Associação Brasileira de Letras
com a presença do presidente da ABL - Cícero Sandroni.

A campanha Paixão de Ler conta também com a parceria de diversas Instituições na realização de atividades voltadas para a promoção do livro e da leitura, tais como o SESC Rio e a Campanha Natal sem fome dos Sonhos da Ação da Cidadania, que no dia 7 de novembro às 19h no Centro Municipal Luiz Gonzaga de tradições nordestinas (Feira de São Cristóvão)
realiza a cerimônia da entrega do acervo de livros para criação do Centro de Memória do Migrante Nordestino Campanha e com apresentação artística do poeta Mano Melo.

Site Oficial: http://www.rio.rj.gov.br/cultura/

Programação completa: http://www.paixaodeler2009.blogspot.com/

sábado, 31 de outubro de 2009

Reinações de Narizinho

O vídeo abaixo trás o ator Paulo Betty lendo o capítulo “A pílula falante”, do livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Esse livro, de 1931, é composto de pequenas histórias, previamente publicadas, que foram divididas em capítulos. Nesse, especificamente, ele explica como a boneca Emília começou a falar.

Paulo Betty conseguiu o tom certo na leitura, o que fez desse um dos pontos altos da Bienal. Vale conferir...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Musa híbrida

As palavras não fazem mais sentido agora. E não são só os adjetivos que se tornam bijuterias perto dela, mas mesmo os substantivos não dão conta deste arrebatamento!

A pela quente, as pernas envolventes, a boca estonteante, aqueles olhos verdes de maré cheia... E que bunda. Eu sou todo arrepio e tesão diante da musa.

Musa híbrida, musa negra, musa brasileira, musa - escultura que resume qualquer definição e expande qualquer sensação de beleza.

Eu disse, as palavras não dão conta. Creio mesmo que o cotidiano envergonha-se diariamente de não poder oferecer cenário melhor para acomodá-la.

Passeia entre devaneios de insanos e cafajestes, deixando no ar o canto que faz o mais bruto marinheiro saber o que é paixão.

Sabes, onça. E também sei. Devoras com este sorriso aberto (ou é a fatalidade da sua tristeza) qualquer defesa mundana. És fantástica, seja isso bom ou ruim. Eu sei.

C.C.J.

domingo, 18 de outubro de 2009

Entrevista com Paulo José

*Escrito por Rafael Oliveira

Antes da entrevista, Paulo José pediu tempo para tirar uma foto com um fã mirim. Aos 72 anos, o próprio ator e diretor ainda mantém um pouco da curiosidade e entusiasmo infantis dentro de si. Curador do projeto Livro em Cena, sucesso de público da Bienal que levou atores até o palco para ler obras de escritores consagrados, Paulo precisou reler clássicos da literatura brasileira para a escolha dos trabalhos que seriam contemplados. Neste processo de resgate, reencontrou a infância: “'Reinações de Narizinho' (de Monteiro Lobato) é saborosíssimo”, admitiu. Abaixo, ele fala mais sobre essas redescobertas, a curadoria do Livro em Cena e critica os hábitos de leitura do brasileiro.

Como você avalia o Livro em Cena?
Deu muito certo. Houve uma adesão maciça do público e dos atores. Todos os convites que eu fiz foram aceitos. Houve até quem lamentou por não estar aqui, como a Patrícia Pillar, que está viajando pelo país para divulgar seu filme, e as Fernandas (Montenegro e Torres), que estão em cartaz com suas respectivas peças.

Como surgiu o projeto?
A ideia foi do Robert Feith (vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), entidade que promove a Bienal). Ele queria ampliar as atrações para evitar a estagnação. Inicialmente ofereceu o projeto para a Monique Gardemberg (cineasta), que me recomendou para ser o curador devido ao meu conhecimento em literatura brasileira.

Quais foram os critérios para a escolha dos atores e dos escritores homenageados?
Procurei chamar grandes atores que fossem reconhecidos não apenas pela TV, mas também pelo teatro, pois era indispensável que soubessem ler bem. Já para decidir os autores eu primeiro escolhi Machado (de Assis). A partir dele, fechei em mais 19 nomes. Como só entrariam 12, fui optando por aqueles que me trariam menos problemas com a questão dos direitos autorais.

O evento foi sucesso de público todos os dias. Como você enxerga a relação do brasileiro com a literatura?
Ele lê muito pouco. Aqui no Brasil a biblioteca não faz parte da casa das pessoas. E o pior é que ninguém acha isso estranho. Para mim ela deveria ser tão indispensável quanto um fogão. Com o sucesso da Bienal e do livro em cena, espero que alguma luz se acenda na cabeça dessas pessoas.

O que está lendo atualmente?
Tenho relido muitas coisas. Depois de certa idade você começa a reler aquilo que leu quando ainda era cedo demais para entender (Paulo faz uma pausa) ou quando já era tarde demais.
Com o quê, por exemplo? (neste momento, ele se levanta e mostra a pilha de livros que carrega consigo. Entre as obras estão "Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias", de José de Nicola; "A hora da estrela", de Clarice Lispector e "Cidades Inventadas", de Ferreira Gullar)
Muitas coisas. Como além de ser curador do projeto eu também leio trechos no palco, precisei reler todos os autores que foram contemplados. Um dos que mais têm despertado minha atenção é o Ferreira Gullar (e se propõe a ler em voz alta "Subversiva", de Ferreira Gullar, que você assiste no vídeo abaixo). Também tenho lido Monteiro Lobato. Estou impressionado com "Reinações de Narizinho". Era o livro da minha infância. Estou enxergando ali o que eu não era capaz de ver quando li pela primeira vez, ainda criança. É saborosíssimo.

*Rafael Oliveira faz parte do programa de treinamento do O Globo e fez essa entrevista no último dia da Bienal para o blog do Prosa e Verso.