sexta-feira, 26 de junho de 2009

Poesia

O casal entrou na sala de espera do consultório ansioso. A um mês de completarem dois anos de casados, o momento não poderia ser mais propício para a realização daquele sonho. Não que o tivessem planejado para aquele período da relação, mas também não fizeram o mínimo esforço para evitar. Muito pelo contrário.

Estavam esperando há vinte minutos e aquilo já pesava como anos. Era como se o casamento inteiro deles estivesse sendo vivenciado ali, naquele cubículo impessoal. Mal se olhavam, porém sentiam o nervosismo um do outro. Uma coisa daquelas não poderia acontecer. Como?! Só podia ser castigo divino: dezesseis anos em branco e justamente na última e também fracassada tentativa de reconciliação...

Tinham os dois vinte e poucos anos. Haviam comprado fazia pouco menos de seis meses um apartamento maior e estavam se estabilizando nos respectivos empregos. A lua-de-mel - algumas semanas nas praias do Nordeste - fora deliciosamente aproveitada e o clima desta experiência permeava cada jantar especial preparado ou cada roteiro que montavam para o fim de semana.

No começo, o atrito era a beleza da relação. O ímpeto aventureiro dela diante do cotidiano era complementado pela reflexão preguiçosa dele sobre a vida. Com o passar do tempo, os atritos já não eram mais amortecidos nem na cama, nem na criação. Já estavam chegando naquele estágio em que se vê a velhice mais perto que a juventude. Haviam se conhecendo ao acaso. Ambos eram poetas.

Sempre conversaram sobre o assunto, entretanto se deram conta, com a possibilidade real do acontecimento, de que nunca haviam planejado aquilo de modo concreto. A perfeição do relacionamento provocava inveja por onde passavam. Gostavam disso, discretamente. O carinho que sentiam um pelo outro era sincero e alimentava a paixão entre ambos.

O sucesso literário foi acompanhando o casamento. A obra dela, incrivelmente vanguardista; a dele, impecavelmente clássica. A relação atiçava o mundinho literário. Primeiro, vieram as críticas elogiosas a cada lançamento. Após um tempo, acompanhando as críticas, ainda elogiosas, as piadinhas maldosas: os opostos se atraem e se traem. Nada comprovado.

Começaram a pensar em como dar a notícia às famílias: melhor reuni-las no apartamento - caberia todo mundo? Reunir separadamente cada uma - não haveria ciúme? Ligar - iam achar falta de educação... Estavam radiantes. Já brincavam tentando misturar as características de um e outro para ter algo em que se apegar.

O primeiro sinal de que o casamento ia mal foi quando lançaram seus novos livros no mesmo ano. Pela primeira vez, concorreram ao mesmo prêmio - curiosamente, nenhum dos dois ganhou. Mas o que animou as rodas de fofoca foi a separação, com calorosos debates estéticos e sentimentais, não necessariamente nesta ordem. Digladiavam-se privada e publicamente.

Naquele instante de uma segunda-feira banal, um dia até feio na cidade, tiveram a exata noção da felicidade. Sempre se perguntaram em silêncio, depois do amor, se poderiam ser mais felizes do que naquele instante. A resposta lhes era dada ali. A porta do consultório se abriu e o chamado do médico fez seus olhos brilharem ainda mais.

De amantes a rivais e as carreiras seguiram seu rumo. Ainda sim, ficou um vazio, Tentaram se reaproximar, uma, duas, três, inúmeras vezes. Em uma busca insana para dar vazão a tantos sentimentos, ela se entregou aos sonetos e ele aos versos brancos e aos livres. Amaram-se pela derradeira vez sobre os rascunhos que foram apresentar um ao outro.

Saíram do consultório em lágrimas de alegria e sete meses e 15 dias depois tornaram-se pais de Quimera, que acabou morrendo dois dias após o parto em um raro caso de ataque cardíaco infantil. Deixaram o cemitério abraçados, procurando respostas e o caminho para poder seguirem vivendo de alguma maneira, seja ela qual for.

Não reataram o relacionamento e a pausa nas agressões mútuas durou até o primeiro aniversário do filho, quando decidiram registrar o menino (que até então não tinha nome). Diante do impasse, cada um segue chamando-o pelo nome preferido - ele acabou registrado às escondidas por parentes de ambos como José. Neste ínterim, lançaram as respectivas obras frutos paixão. A crítica odiou.

C.C.J.

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