quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Viagem I (Suburbano coração)

Passeando por Roma, Bruxelas,

Paris, Londres e Nova Iorque,

acabei batendo perna em Bonsucesso.

C.C.J.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Renata Giannattasio

sábado, 22 de agosto de 2009

Pequenos segredos

O vento fino da tarde, batendo de tempos em tempos, fazia a espera ficar menos nervosa. Na verdade nem era aquele estado de vigilância que o inquietava, e sim a expectativa pela próxima paixão. Tentava desenhar o rosto perfeito, as formas ideais, mas apenas retratos antigos lhe vinham à mente.

O sinal bateu pontual e estridentemente às 15h30 e todo o quarteirão foi avisado. Ele, do outro lado da calçada, observava. Era uma espécie de ritual sem deuses, só a liturgia o acompanhava sob o sol fraco de inverno que cortava de quando em quando espessas nuvens cinzas de chuvas vindouras.

Com a abertura do portão de ferro derramou-se um disperso leito humano formado por dezenas de uniformes em hipnótica algazarra. Entre brincadeiras e cuidado com os carros, não saberiam dizer se havia ou não um homem de calça jeans e camisa branca de algodão as observando.

***

É um jogo que cada vez mais me dá vontade de jogar. Fui aprendendo ao longo das diversas tentativas quais trunfos eram adequados ter na manga e quais as cascas de banana poderiam aparecer no meu caminho. A interrogação sobre o próximo passo era encantadora.

O caminho mais fácil é apostar na ingenuidade. As ferramentas virtuais não chegaram e me estimular e foram ficando cada vez mais vigiadas. Prefiro minha caçada in loco, às circunstâncias do acaso, o olho no olho que oferece o aqui e agora e também a enternidade.

Particularmente, gosto da ludicidade das guloseimas. E construir uma amizade com elas através de uma trivial oferta de doce passa por uma mistura de ingenuidade, cenário, empatia e sorte. Acho que sou atraente e sortudo o suficiente para não estar insatisfeito.

Daquela vez havia tentado com Luizinho e Paulinha, sem sucesso - ele arredio, ela distante. E foi quase sem querer, em um impulso juvenil por assim dizer (risos), que minha trilha de açúcar fisgou Carlinhos - ele disse que era esse o seu nome. Bonito, parecia feito sob encomenda para minhas necessidades.

Procurei deixá-lo à vontade no quarto colorido. Ele pouco falava, era quase monossilábico e eu apreciava isso. Investi e o toque da pele macia dele na minha fez meu coração disparar. Enfeitiçado, sentia um calor trespassar cada artéria do meu corpo carregado pelo sangue...

***

Que fome! Eu olhei para o relógio, para a porta e pensei que daqui a pouco era hora de lanchar vendo aquele desenho novo que estava anunciando na televisão. Mas a tia não liberava a gente, a história que ela contava não acabava nunca.

Uma menina tinha seguido um coelho branco até a toca e estava passando por um monte de confusões quando o sinal tocou. Saímos em disparada. Queria que o Fred e a Lilica fossem em casa comigo, mas me enrolei arrumando a mochila e quando cheguei no portão eles já tinham sumido.

Quando o moço me ofereceu o bombom eu lembrei da minha mãe falando para não aceitar nada de estranhos, mas ele era igual a como ela descrevia meu pai e eu achei que pudesse ser ele. Ele falou que queria ser meu amigo, era legal, então não tinha problema de comer. Eu tava morrendo de fome!

Só lembro de acordar em um quarto estranho. Não era minha casa, mas era bonito. Tinha Lego, tinha massinha, os bonecos da tevê e umas almofadas coloridas. Ele disse que eu podia brincar com que eu quisesse e disse que iria brincar comigo.

Tinha várias fotos nas paredes e eu achei que uma delas era parecida com a Lilica, mas não deu para ver direito, ela tava diferente. De repente ele chegou perto de mim e começou a tirar a minha blusa e depois a minha bermuda, falando para eu ficar quietinho. Mas por que? Eu não entendia... Por que?

***

Ele gostava de flores e ficar ali sob a árvore, com aquele cheiro de início de tarde o fazia se sentir bem, amainava a sua angústia. Precisava se apaixonar de novo. Aquela angústia deixava suas mãos um pouco trêmulas, como em uma doença de velhice. Era uma sequela do luto.


C.C.J.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

The Ballad of John and Silvio

Dois homens diferentes estiveram no mesmo lugar. Edir Macedo e Roberto Irineu Marinho viajaram no mesmo voo, se hospedaram no mesmo quarteirão de Manhattan e dividiram a mesma cabine do trem que os levou até a pequena Bethel, cidade rural no estado de Nova Iorque. Em nenhum momento, o jovem e humilde evangélico de Rio das Flores e o herdeiro do império da comunicação trocaram qualquer palavra. O silêncio foi fruto da diferença, enorme com exceção apenas do objetivo em comum. Quarenta anos depois, parece que nada mudou desde que Marinho e Macedo se aventuraram nas montanhas de Woodstock. Eles continuam sujos de lama até o último fio de cabelo e não aprenderam que o bom é fazer amor e fumar maconha. Ainda mais em tempos de guerra pelo ibope.

A recente briga entre Globo e Record é capaz de envergonhar a qualquer cabeludo-bigodudo-barbudo-fedorento-pacifista-feminista-naturalista que tenha acendido o menor dos baseados no tempo em que não se dizia não às drogas ou ao sexo sem camisinha, apenas não às mortes no Vietnã. Não há mais meninas nuas correndo após o estouro de mais uma bomba de napalm, mas ainda há famílias inocentes em meio ao fogo cruzado. Quem deveria melhorar, não melhora, apenas acusa. Quem deveria se defender, não se defende, apenas acusa de volta. Nas últimas semanas, surgiram tantos santos e demônios na mídia brasileira que em breve deverá ser lançado o Festival de Woodface, com transmissão de emissora ainda não definida. A Record fez a melhor oferta, mas a Globo alega que tudo será pago com os dízimos da Igreja Universal. Será?


Especialistas consideram que a batalha das televisões poderá se aproximar perigosamente dos limites do respeito à humanidade. Gugu Liberato, mercenário contratado pela Record para guerrear no front dominical, articula nos corredores do Teatro Tablado o agendamento de uma entrevista com Osama Bin Laden, algo capaz de transformar a interpretação do mascarado do PCC em mera ponta de dez segundos em Malhação. Já a Globo estuda a realização do vigésimo terceiro especial de Roberto Carlos em 2009. O espetáculo Emoções em Alto Bar contará com a presença de alguns dos maiores beberrões da música popular brasileira. Zeca Pagodinho, Ângela Rô Rô, Reginaldo Rossi e Mister Catra cantarão ao lado do Rei sucessos que vão da simples Brahma até o sofisticado Whisky com Red Bull. Tudo vale pelos preciosos pontos de audiência.


É costume dizer que na guerra não há vencedores ou vencidos. Também não há o certo ou o errado, apenas complexas questões de conveniência. É difícil apontar quem é o vietcongue e quem é o fuzileiro de queixo quadrado na batalha sangrenta entre Globo e Record. Entretanto, se a comparação coubesse na Segunda Guerra Mundial, existiria apenas uma certeza: Silvio Santos é Stalin e o SBT é a sua União Soviética. Enquanto nazistas e democratas se digladiam, o canal 11 está fechado para balanço. Nessas horas, a experiência do Homem do Baú falou mais alto para a assinatura de um tratado de não-agressão. Quem teve acesso ao documento garante que a papelada foi baseada em um artigo único, de cláusula única: NÃO ME FODA QUE EU NÃO TE FODO.

Contrariando todos aqueles anti-semitas que consideram os judeus causadores de confusão desde os tempos do Egito Antigo, Sílvio Santos nunca abdicou do bom relacionamento com a Globo durante os anos em que sonhou em ser o líder de audiência na televisão brasileira. Senhor Abravanel sempre foi grego demais para tirar proveito das experiências psicodélicas de Woodstock, algo com sabor de Vale a Pena Ver de Novo para quem cresceu entre as madames satânicas da Lapa. Mesmo alheio ao movimento hippie, Silvio Santos sempre soube, ao lado de Jonh Lennon, que precisamos dar uma chance à paz.

Bruno Marinho

sábado, 15 de agosto de 2009

O outro

Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro

Adriana Calcanhotto e Mário de Sá Carneiro

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Sem título II

Saiba, se você for preto, você é suspeito. Cuidado, se você for preto, pois você é suspeito. Atenção, se você for preto, sua alcunha é suspeito. De costas, mão na parede, é coisa de rotina. Não sorria, o negócio é serio, o som oco da cabeça no concreto. Tórax, cintura, bolsos, entre as pernas, tornozelos, de frente. Olha pra baixo, seu preto (o barulho do destravamento da arma é límpido). Quem é você, seu preto, que passa por essa rua como se nada devesse? Escuta aqui, seu preto, se entrar na minha mira de novo não tem perdão. O preto vê na parede a mancha vermelha sobre o acinzentado do muro e passa a mão na testa úmida. O preto recolhe do chão suas coisas em um ritual religiosamente silencioso. O preto firma os passos tentando se lembrar do caminho. Saiba, se você não é preto: eu sou. Cuidado, se você não for preto: eu sou. Atenção, se você não for preto: eu sou.

C.C.J.

sábado, 8 de agosto de 2009

Acqua toffana

Não há nada melhor na vida do que trepar. Não tô falando de sexo, nem de amor, nem de transa, mas de trepar. Sabe aquela necessidade, aquela urgência, aquele instinto? É isso, a sublimação da racionalidade. Buscar o prazer máximo, sem restrições. Ir a fundo, por si, aproveitar ao máximo aquele outro corpo...

Eu sabia que meu prazo com M. estava acabando. Apesar de querer trepar, tive que transar. Minha cabeça está desconectada, tenho que elaborar o plano. Está sendo diferente. Pela primeira vez desenho a morte de alguém estando dentro da vítima... É uma espécie de improvisação. É parte do show. Eu preciso experimentar M. Sentir. Me envolver.

Como não podia deixar de ser, penso, logo, no trivial. Há um revólver com silenciador em uma das gavetas no quarto. Mas uma chupada maravilhosa como essa, não posso retribuir como se não fosse delicioso. A língua, os dentes, e as mãos não sabem onde se apoiar, a temperatura do corpo se eleva, o grunhido explodindo na garganta...

Sei que não posso ser elegante e tentar algum veneno. Não temos tempo, ah, acqua toffana! E nossas pernas já são agora uma imagem indivisível. Nos estudamos com todos os sentidos. O toque ora macio, ora bruto; o gemido lancinante a cada arranhão; o sabor do suor da pele alheia em meus lábios; o cheiro do seu sexo; olhos para dentro extasiados com as sensações.

Talvez algo monumental, como cortar em pedaços com um machado? Hum... A força que M. tem nos quadris, um vigor que nos joga ao chão do apartamento minúsculo e dita o ritmo alucinante da nossa perdição. Somos o máximo ali, devorando-nos como inimigos mortais unidos pela certeza de que só o gozo nos resgatará da mediocridade cotidiana.

Um sufocamento. Só que não quero abafar seus gemidos. Isso! Assim! Mais! E os jogos de armar posições as mais intrincadas e mais volúveis possíveis, disputando o comando da transa como se não houvesse a vontade do outro - não há! Sou eu cada vez mais febril, mais insano, mais violento, mas há uma conexão aqui, há um toque sublime.

Atirar, esquartejar, afogar, iludir, viajar... Não!... A varanda é estreita... A madrugada está aberta... Estou perdendo o foco!... Sim, agora, agora!... Eu tenho que ter uma ideia... Vai, mais alto! Sim, desse jeito, vai... Faca, uma faca... Sim, mais, ali, vira. Você gosta, eu sei... Isso, uma faca, talvez uma tesoura... Acho que não tenho... Delícia...

Antes debruçados, nossos corpos caem agora do sexto andar num voo pleno. As respirações e os batimentos paralisados por um átimo, voltam de repente como ausência, explosivos. Tento o ar, tenho o horizonte, tento o chão, nada me vem. Já não sinto M.



C.C.J.