Passeando por Roma, Bruxelas,
Paris, Londres e Nova Iorque,
C.C.J.
Passeando por Roma, Bruxelas,
Paris, Londres e Nova Iorque,
O vento fino da tarde, batendo de tempos em tempos, fazia a espera ficar menos nervosa. Na verdade nem era aquele estado de vigilância que o inquietava, e sim a expectativa pela próxima paixão. Tentava desenhar o rosto perfeito, as formas ideais, mas apenas retratos antigos lhe vinham à mente.
O sinal bateu pontual e estridentemente às 15h30 e todo o quarteirão foi avisado. Ele, do outro lado da calçada, observava. Era uma espécie de ritual sem deuses, só a liturgia o acompanhava sob o sol fraco de inverno que cortava de quando em quando espessas nuvens cinzas de chuvas vindouras.
Com a abertura do portão de ferro derramou-se um disperso leito humano formado por dezenas de uniformes em hipnótica algazarra. Entre brincadeiras e cuidado com os carros, não saberiam dizer se havia ou não um homem de calça jeans e camisa branca de algodão as observando.
***
É um jogo que cada vez mais me dá vontade de jogar. Fui aprendendo ao longo das diversas tentativas quais trunfos eram adequados ter na manga e quais as cascas de banana poderiam aparecer no meu caminho. A interrogação sobre o próximo passo era encantadora.
O caminho mais fácil é apostar na ingenuidade. As ferramentas virtuais não chegaram e me estimular e foram ficando cada vez mais vigiadas. Prefiro minha caçada in loco, às circunstâncias do acaso, o olho no olho que oferece o aqui e agora e também a enternidade.
Particularmente, gosto da ludicidade das guloseimas. E construir uma amizade com elas através de uma trivial oferta de doce passa por uma mistura de ingenuidade, cenário, empatia e sorte. Acho que sou atraente e sortudo o suficiente para não estar insatisfeito.
Daquela vez havia tentado com Luizinho e Paulinha, sem sucesso - ele arredio, ela distante. E foi quase sem querer, em um impulso juvenil por assim dizer (risos), que minha trilha de açúcar fisgou Carlinhos - ele disse que era esse o seu nome. Bonito, parecia feito sob encomenda para minhas necessidades.
Procurei deixá-lo à vontade no quarto colorido. Ele pouco falava, era quase monossilábico e eu apreciava isso. Investi e o toque da pele macia dele na minha fez meu coração disparar. Enfeitiçado, sentia um calor trespassar cada artéria do meu corpo carregado pelo sangue...
***
Que fome! Eu olhei para o relógio, para a porta e pensei que daqui a pouco era hora de lanchar vendo aquele desenho novo que estava anunciando na televisão. Mas a tia não liberava a gente, a história que ela contava não acabava nunca.
Uma menina tinha seguido um coelho branco até a toca e estava passando por um monte de confusões quando o sinal tocou. Saímos em disparada. Queria que o Fred e a Lilica fossem em casa comigo, mas me enrolei arrumando a mochila e quando cheguei no portão eles já tinham sumido.
Quando o moço me ofereceu o bombom eu lembrei da minha mãe falando para não aceitar nada de estranhos, mas ele era igual a como ela descrevia meu pai e eu achei que pudesse ser ele. Ele falou que queria ser meu amigo, era legal, então não tinha problema de comer. Eu tava morrendo de fome!
Só lembro de acordar em um quarto estranho. Não era minha casa, mas era bonito. Tinha Lego, tinha massinha, os bonecos da tevê e umas almofadas coloridas. Ele disse que eu podia brincar com que eu quisesse e disse que iria brincar comigo.
Tinha várias fotos nas paredes e eu achei que uma delas era parecida com a Lilica, mas não deu para ver direito, ela tava diferente. De repente ele chegou perto de mim e começou a tirar a minha blusa e depois a minha bermuda, falando para eu ficar quietinho. Mas por que? Eu não entendia... Por que?
***
Ele gostava de flores e ficar ali sob a árvore, com aquele cheiro de início de tarde o fazia se sentir bem, amainava a sua angústia. Precisava se apaixonar de novo. Aquela angústia deixava suas mãos um pouco trêmulas, como em uma doença de velhice. Era uma sequela do luto.
C.C.J.
Bruno Marinho
Não há nada melhor na vida do que trepar. Não tô falando de sexo, nem de amor, nem de transa, mas de trepar. Sabe aquela necessidade, aquela urgência, aquele instinto? É isso, a sublimação da racionalidade. Buscar o prazer máximo, sem restrições. Ir a fundo, por si, aproveitar ao máximo aquele outro corpo...
Eu sabia que meu prazo com M. estava acabando. Apesar de querer trepar, tive que transar. Minha cabeça está desconectada, tenho que elaborar o plano. Está sendo diferente. Pela primeira vez desenho a morte de alguém estando dentro da vítima... É uma espécie de improvisação. É parte do show. Eu preciso experimentar M. Sentir. Me envolver.
Como não podia deixar de ser, penso, logo, no trivial. Há um revólver com silenciador em uma das gavetas no quarto. Mas uma chupada maravilhosa como essa, não posso retribuir como se não fosse delicioso. A língua, os dentes, e as mãos não sabem onde se apoiar, a temperatura do corpo se eleva, o grunhido explodindo na garganta...
Sei que não posso ser elegante e tentar algum veneno. Não temos tempo, ah, acqua toffana! E nossas pernas já são agora uma imagem indivisível. Nos estudamos com todos os sentidos. O toque ora macio, ora bruto; o gemido lancinante a cada arranhão; o sabor do suor da pele alheia em meus lábios; o cheiro do seu sexo; olhos para dentro extasiados com as sensações.
Talvez algo monumental, como cortar em pedaços com um machado? Hum... A força que M. tem nos quadris, um vigor que nos joga ao chão do apartamento minúsculo e dita o ritmo alucinante da nossa perdição. Somos o máximo ali, devorando-nos como inimigos mortais unidos pela certeza de que só o gozo nos resgatará da mediocridade cotidiana.
Um sufocamento. Só que não quero abafar seus gemidos. Isso! Assim! Mais! E os jogos de armar posições as mais intrincadas e mais volúveis possíveis, disputando o comando da transa como se não houvesse a vontade do outro - não há! Sou eu cada vez mais febril, mais insano, mais violento, mas há uma conexão aqui, há um toque sublime.
Atirar, esquartejar, afogar, iludir, viajar... Não!... A varanda é estreita... A madrugada está aberta... Estou perdendo o foco!... Sim, agora, agora!... Eu tenho que ter uma ideia... Vai, mais alto! Sim, desse jeito, vai... Faca, uma faca... Sim, mais, ali, vira. Você gosta, eu sei... Isso, uma faca, talvez uma tesoura... Acho que não tenho... Delícia...
Antes debruçados, nossos corpos caem agora do sexto andar num voo pleno. As respirações e os batimentos paralisados por um átimo, voltam de repente como ausência, explosivos. Tento o ar, tenho o horizonte, tento o chão, nada me vem. Já não sinto M.