sábado, 22 de agosto de 2009

Pequenos segredos

O vento fino da tarde, batendo de tempos em tempos, fazia a espera ficar menos nervosa. Na verdade nem era aquele estado de vigilância que o inquietava, e sim a expectativa pela próxima paixão. Tentava desenhar o rosto perfeito, as formas ideais, mas apenas retratos antigos lhe vinham à mente.

O sinal bateu pontual e estridentemente às 15h30 e todo o quarteirão foi avisado. Ele, do outro lado da calçada, observava. Era uma espécie de ritual sem deuses, só a liturgia o acompanhava sob o sol fraco de inverno que cortava de quando em quando espessas nuvens cinzas de chuvas vindouras.

Com a abertura do portão de ferro derramou-se um disperso leito humano formado por dezenas de uniformes em hipnótica algazarra. Entre brincadeiras e cuidado com os carros, não saberiam dizer se havia ou não um homem de calça jeans e camisa branca de algodão as observando.

***

É um jogo que cada vez mais me dá vontade de jogar. Fui aprendendo ao longo das diversas tentativas quais trunfos eram adequados ter na manga e quais as cascas de banana poderiam aparecer no meu caminho. A interrogação sobre o próximo passo era encantadora.

O caminho mais fácil é apostar na ingenuidade. As ferramentas virtuais não chegaram e me estimular e foram ficando cada vez mais vigiadas. Prefiro minha caçada in loco, às circunstâncias do acaso, o olho no olho que oferece o aqui e agora e também a enternidade.

Particularmente, gosto da ludicidade das guloseimas. E construir uma amizade com elas através de uma trivial oferta de doce passa por uma mistura de ingenuidade, cenário, empatia e sorte. Acho que sou atraente e sortudo o suficiente para não estar insatisfeito.

Daquela vez havia tentado com Luizinho e Paulinha, sem sucesso - ele arredio, ela distante. E foi quase sem querer, em um impulso juvenil por assim dizer (risos), que minha trilha de açúcar fisgou Carlinhos - ele disse que era esse o seu nome. Bonito, parecia feito sob encomenda para minhas necessidades.

Procurei deixá-lo à vontade no quarto colorido. Ele pouco falava, era quase monossilábico e eu apreciava isso. Investi e o toque da pele macia dele na minha fez meu coração disparar. Enfeitiçado, sentia um calor trespassar cada artéria do meu corpo carregado pelo sangue...

***

Que fome! Eu olhei para o relógio, para a porta e pensei que daqui a pouco era hora de lanchar vendo aquele desenho novo que estava anunciando na televisão. Mas a tia não liberava a gente, a história que ela contava não acabava nunca.

Uma menina tinha seguido um coelho branco até a toca e estava passando por um monte de confusões quando o sinal tocou. Saímos em disparada. Queria que o Fred e a Lilica fossem em casa comigo, mas me enrolei arrumando a mochila e quando cheguei no portão eles já tinham sumido.

Quando o moço me ofereceu o bombom eu lembrei da minha mãe falando para não aceitar nada de estranhos, mas ele era igual a como ela descrevia meu pai e eu achei que pudesse ser ele. Ele falou que queria ser meu amigo, era legal, então não tinha problema de comer. Eu tava morrendo de fome!

Só lembro de acordar em um quarto estranho. Não era minha casa, mas era bonito. Tinha Lego, tinha massinha, os bonecos da tevê e umas almofadas coloridas. Ele disse que eu podia brincar com que eu quisesse e disse que iria brincar comigo.

Tinha várias fotos nas paredes e eu achei que uma delas era parecida com a Lilica, mas não deu para ver direito, ela tava diferente. De repente ele chegou perto de mim e começou a tirar a minha blusa e depois a minha bermuda, falando para eu ficar quietinho. Mas por que? Eu não entendia... Por que?

***

Ele gostava de flores e ficar ali sob a árvore, com aquele cheiro de início de tarde o fazia se sentir bem, amainava a sua angústia. Precisava se apaixonar de novo. Aquela angústia deixava suas mãos um pouco trêmulas, como em uma doença de velhice. Era uma sequela do luto.


C.C.J.

Nenhum comentário:

Postar um comentário