sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Teimosia

Um belo dia o homem acordou e disse a si mesmo, em frente ao espelho do banheiro sempre perfumado pelo aroma de rosas: “Só morto sairei do Catete”. Ele então percebeu que os anos haviam se passado e que a frase já possuía dono, algo peculiar assim como o bigode penteado, desde sempre grisalho. José Sarney é o mais novo mártir da política brasileira. Injustiçado, acuado, é caçado pelos corvos lacerdianos apenas por ser um bom avô. A briga com o mundo ganha ares de picuinha e o coronel mostra que a teimosia é um dom da terceira idade. Assim como o velho que tem mau hálito só porque tem receio de tirar a dentadura, Sarney despertou do cochilo na cadeira de balanço da presidência do Senado e pronunciou ao asilo vazio: “Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira”.

Tudo já foi tentado, mas o homem é valente, cabra da peste, sujeito arretado. Na cabeceira, o livro que embala os primeiros bocejos do sono é “O Segredo”. No aparelho de DVD, o filme que repõe as energias da alma é “Retroceder Nunca, Render-se Jamais”, do grande ídolo belga-brasileiro que não desiste nunca, João Cláudio Van Damme. Dizem que nos corredores do apartamento onde ele vive em Brasília, cerca de mil parentes, assessores, parentes-assessores, assessores dos parentes-assessores costumam chamá-lo de Jack Bauer, capaz de vencer uma batalha contra a mídia terrorista a cada 24 horas. Sarney, entretanto, é homem vivido, daqueles que cresceram no tempo em que se perdia a virgindade com a cabra mais formosa da fazenda. Ele nunca se deixa levar pelos elogios pueris daqueles que lhe devotam a mais puta gratidão.




Na verdade, José Sarney muitas vezes é vítima do mal da melancolia. Em seu escritório, perde muito tempo pensando na vida e na morte. Aflito, o homem que nunca teve o cabelo descolado da cabeça pergunta aos céus o dia em que irá partir, o dia em que irá se juntar a Brizola, Antônio Carlos Magalhães, Ulisses Guimarães, Roberto Campos e, é claro, Michael Jackson, no Parque dos Dinossauros da Terra do Nunca. Os mais íntimos costumam comentar que o maranhense se sente isolado, como se fosse o último dos moicanos. Com o gosto do sangue nepotista na boca, ele encontra nas páginas de “Crepúsculo” conforto por saber que não é o único a ser incompreendido neste mundo. Afinal de contas, vampiros da democracia também amam.

O que ninguém sabe e obviamente nem poderia saber é que o último ato secreto do presidente do senado foi contratar os serviços do diabinho preso na garrafa, o mesmo que permitiu a Antônio Fagundes renascer depois de estar perdido na mata do Rei do Gado. Antigas investigações da Polícia Federal, num trabalho conjunto com a Interpol, indicam que dois significativos depósitos na conta bancária do troço-ruim vieram de um caixa eletrônico localizado nas cavernas do Afeganistão e de uma fazenda texana com o sobrenome Bush na caixa de correio. A verdade é que José Sarney, apesar das vitórias, está cansado, exausto de tantas brigas, de tanta resistência. Um belo dia o homem chegou em casa e fechou os olhos, descansou o corpo na poltrona e se dispôs a ouvir uma música para relaxar. O sorriso escapoliu pelo canto da boca quando Ozzy Osbourne cantou com a voz esganiçada “I am The Iron Man”.

Bruno Marinho

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