sábado, 8 de agosto de 2009

Acqua toffana

Não há nada melhor na vida do que trepar. Não tô falando de sexo, nem de amor, nem de transa, mas de trepar. Sabe aquela necessidade, aquela urgência, aquele instinto? É isso, a sublimação da racionalidade. Buscar o prazer máximo, sem restrições. Ir a fundo, por si, aproveitar ao máximo aquele outro corpo...

Eu sabia que meu prazo com M. estava acabando. Apesar de querer trepar, tive que transar. Minha cabeça está desconectada, tenho que elaborar o plano. Está sendo diferente. Pela primeira vez desenho a morte de alguém estando dentro da vítima... É uma espécie de improvisação. É parte do show. Eu preciso experimentar M. Sentir. Me envolver.

Como não podia deixar de ser, penso, logo, no trivial. Há um revólver com silenciador em uma das gavetas no quarto. Mas uma chupada maravilhosa como essa, não posso retribuir como se não fosse delicioso. A língua, os dentes, e as mãos não sabem onde se apoiar, a temperatura do corpo se eleva, o grunhido explodindo na garganta...

Sei que não posso ser elegante e tentar algum veneno. Não temos tempo, ah, acqua toffana! E nossas pernas já são agora uma imagem indivisível. Nos estudamos com todos os sentidos. O toque ora macio, ora bruto; o gemido lancinante a cada arranhão; o sabor do suor da pele alheia em meus lábios; o cheiro do seu sexo; olhos para dentro extasiados com as sensações.

Talvez algo monumental, como cortar em pedaços com um machado? Hum... A força que M. tem nos quadris, um vigor que nos joga ao chão do apartamento minúsculo e dita o ritmo alucinante da nossa perdição. Somos o máximo ali, devorando-nos como inimigos mortais unidos pela certeza de que só o gozo nos resgatará da mediocridade cotidiana.

Um sufocamento. Só que não quero abafar seus gemidos. Isso! Assim! Mais! E os jogos de armar posições as mais intrincadas e mais volúveis possíveis, disputando o comando da transa como se não houvesse a vontade do outro - não há! Sou eu cada vez mais febril, mais insano, mais violento, mas há uma conexão aqui, há um toque sublime.

Atirar, esquartejar, afogar, iludir, viajar... Não!... A varanda é estreita... A madrugada está aberta... Estou perdendo o foco!... Sim, agora, agora!... Eu tenho que ter uma ideia... Vai, mais alto! Sim, desse jeito, vai... Faca, uma faca... Sim, mais, ali, vira. Você gosta, eu sei... Isso, uma faca, talvez uma tesoura... Acho que não tenho... Delícia...

Antes debruçados, nossos corpos caem agora do sexto andar num voo pleno. As respirações e os batimentos paralisados por um átimo, voltam de repente como ausência, explosivos. Tento o ar, tenho o horizonte, tento o chão, nada me vem. Já não sinto M.



C.C.J.

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