domingo, 4 de outubro de 2009

Aqui jaz

Ei, vamos entrando, claro! Sente-se ao meu lado. Há quanto tempo não nos vemos? Ah, não importa... Fale-me como estão as coisas com você. Aliás, e aquela ideia, o projeto do qual você sempre falava...

Não, nunca pronunciei estas palavras. Olho para o cômodo e são apenas quatro paredes, uma porta e uma janela guardando uma espécie de cena montada para um filme de enredo barato e custos baixos, o meu monólogo.

Eu até ligaria para você - quem? -, mas me falta o número. É, talvez você só tenha esquecido de me passar no nosso último encontro. Quando foi mesmo? Acho que estou tendo um pequeno problema de memória.

Porque esta casa não tem espelhos e inconscientemente eu devo ter feito isso para me proteger quando o futuro chegasse. Eu já estava prevendo que ele bateria na porta e já sabia o que ele traria para mim.

Sim, sim, sim... Nunca usei muito esta palavra. Tantos atalhos pensei ter pego vida adentro e não devo ter prestado atenção nos diversos sinais - dizem que há esse tipo de contato divino conosco. Não que tenham me falado nada, apenas ouvi por aí.

Eu fico pensando nisso tudo, nascer, crescer, viver, morrer e os meus advérbios, o modo como conjugo os verbos da minha existência são sempre uma forma de precaução, uma pré-defesa no julgamento que faço de mim.

E sabe o que é? Não há nada. Substancialmente nada. Esses poucos móveis não são herança, e sim obstáculos para os meus passos aqui dentro deste cubículo: coração, pulmões, rins, estômago. Estas artérias não me levam a lugar nenhum?

Ninguém. Fico pensando no enterro. Quem vai dar por falta de mim e despachar o meu corpo. O mau cheiro me denunciará? Velório, enterro, quem cuidará disso? Terei um? Porque eu estava pensando se não seria bom ser cremado...

Dia desses escrevi algumas frases soltas em uma folha já amarelada. Poderiam ser colocadas na minha lápide. É mórbido? Talvez, mas enquanto estou aqui apenas esperando este momento... Não há ninguém para notar.. Aqui jaz.

C.C.J.

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