sexta-feira, 31 de julho de 2009

O homem velho

O homem velho caminha por entre os móveis de sua casa com a desenvoltura de quem conhece de cor a disposição dos móveis e os desníveis do chão. A pintura desbotada das paredes já faz parte da decoração. Nem ele nem o seu lugar precisam de máscaras.

Contempla no silêncio dos seus livros empoeirados a poesia de um tempo em que seu pensamento era tão ágil quanto suas decisões. O adjetivo impetuoso lhe fazia sentido. Agora apenas é só e esquece de quando em quando um pedaço querido do passado.

A sensação de sentir os ossos enfraquecendo incomoda o homem que outrora gostava de jardins e praticava meditação entre flores e a brisa. Hoje o estalar da ossatura não o deixa se concentrar. E a brisa, antes amiga, abandonou-o por completo.

Sem ar, ele não corteja mais as palavras, corroídas pelos cupins e pelo esquecimento de seu próprio valor. Tinta e papel perderam sua magia e acabaram virando apenas tinta e papel. Os livros não transcendem mais, são apenas objetos.

O homem velho quebrou os espelhos de sua casa ao longo dos anos. O tempo não se foi com eles. Não senta. Em pé, diante da janela, suportando enquanto pode a dor de suportar-se, o homem velho esboça um sorriso, que não, assim com a tempestade anunciada pela nuvem lá fora.

C.C.J.

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